LEITURA E ARTE ENTREVISTA
Fernando Pires
 

por Taís Lambert, outubro de 2020.

Fernando Pires

Foto: Acervo particular

 

Taís Lambert - Fernando, onde você nasceu e quantos anos você tem? Onde você mora atualmente (o nome da cidade)?

Fernando Pires - Nasci na cidade de São Caetano do Sul. Atualmente moro na cidade de São Paulo e tenho 55 anos.

Taís Lambert - Qual é a sua formação acadêmica e seus interesses profissionais?

Fernando Pires - Sou arquiteto por formação e, portanto, gosto de tudo relacionado a desenho, desde uma cidade até um utensílio doméstico, como uma cadeira ou até mesmo o desenho de um livro. Foi assim que comecei a escrever e ilustrar histórias infantojuvenis.

Taís Lambert - Você já ilustrou outros livros infantis? Qual é sua relação com esse tipo de trabalho e com esse público?

Fernando Pires - Sim, já ilustrei outros livros de literatura além do Somos o que somos, mas nem sempre, da Edith Chacon. Entre os autores para os quais ilustrei estão Tatiana Belinky, Daniel Munduruku, Graziela Hetzel, Glaucia Lewicki, Yolanda Reyes, Sandra Pina, Júlio Emílio Braz, Fátima Parente, Danda Prado e outros, além ter feito ilustrações para livros didáticos. Fora estes, ilustrei todos os quase vinte livros que publiquei como autor.

Fernando Pires - Escrever e ilustrar para o público infantojuvenil é um desafio bastante grande, apesar de não parecer. Uma criança não sabe mentir, se ela não gosta do seu livro, ela vai falar, diferente da maioria dos adultos, e vai se desinteressar logo. Então a minha responsabilidade como autor e ilustrador é a de fazer um livro que agrade, mas que em primeiro lugar instigue. Tanto o texto como as imagens têm que ser provocativas e ter detalhes interessantes, muitas vezes até escondidos para serem encontrados. Eu gosto de usar desenhos acessíveis para os pequenos, de forma que eles possam falar “esse desenho eu consigo fazer”, que foi o que um aluno de uma escola me disse. E eu fiquei superfeliz porque essa era a minha intenção com aquele livro, que eu estava apresentando na escola. Mas o que me deixa feliz mesmo é quando um detalhe quase imperceptível do desenho ou da história é descoberto por uma criança. Ver o rosto deles nessa hora, a hora da descoberta, é a melhor coisa que existe.

Taís Lambert - Como foi a escolha do tipo de ilustração que usaria? Como se deu seu processo criativo?

Fernando Pires - Quando fui apresentado ao Somos o que somos, mas nem sempre, fiquei encantado com a história porque achei a temática muito atual, além disso, ela me fez lembrar de historinhas infantis daquelas em que os animais se portam como pessoas, vestem roupas, têm casas semelhantes às nossas, têm rotinas semelhantes às nossas... Era um desafio unir uma temática atual com animaizinhos de contos de fadas. Então a primeira ideia foi caracterizar os personagens como animais, no caso insetos, mas que se portavam como pessoas. Os primeiros esboços iam nesse sentido, então eu troquei ideias com a Edith, conversamos bastante sobre a identificação que o leitor teria com as ilustrações e personagens, e o desenho foi evoluindo para o desenho final, onde, apesar de os personagens principais serem insetos, eles têm rostos e proporções humanas, mesmo tendo asas e antenas!  Achamos que dessa forma conseguimos unir as historinhas de animais, que vestem roupas, com o tema, que é bastante instigante e atual.

Taís Lambert - Desculpe a minha ignorância (!), mas, há um nome que designe o tipo de ilustração que você utiliza no livro?

Fernando Pires - A técnica utilizada é a aquarela sobre papel, ou seja, é uma técnica tradicional, onde se utilizam pigmentos naturais sobre papel físico, e não digital. A técnica a ser usada é uma decisão que tem que ser tomada logo no início. Toda história pede um meio de se expressar visualmente. Não quer dizer que haja uma regra, cada artista, cada ilustrador vai desenvolver ilustrações diferentes para um mesmo livro e isso não vai fazer com que haja maneiras certas ou erradas de se fazer. São escolhas, muitas vezes baseadas na técnica que o ilustrador mais aprecia, ou então no que o livro pede. Esse foi o caso para mim. Era importante que as ilustrações tivessem forte relação com o tema principal da história, que é o de não conformismo. A personagem principal, a Pernilonguinha, não quer fazer o trabalho que um pernilongo costuma fazer. Ela tem outros interesses, ela prefere o mel e as flores ao sangue. Então imaginei que ela teria que ser diferente dos seus pais. Enquanto eles se vestem formalmente e usam preferencialmente a cor vermelha, a Pernilonguinha prefere usar cores, e todas misturadas de preferência. Imaginei que assim eu representaria bem o seu lado de não se conformar com uma situação que foi imposta a ela. Então, nesse ponto, a aquarela me pareceu uma maneira agradável e interessante de relacionar suas roupas coloridas com as muitas flores que aparecem no livro. Como a aquarela permite transparências, consegui uma multiplicação de nuances muito grande, o que me agradou e me deu certeza de que era o melhor caminho, sempre pensando que isso seria interessante para representar a personagem e sua preferência por flores. Aliás, eu fiz questão de que as flores com suas cores fossem elementos marcantes para representar o pensamento da personagem. É quase uma marca do livro e elas aparecem até mesmo nas capas internas. Imaginei que seu cabelo também deveria ser bastante solto, rebelde mesmo, para contrastar com o cabelo certinho dos pais, e assim evidenciar mais a sua rebeldia. Em uma determinada parte do livro e na capa, os cabelos até parecem ter vida própria.

Taís Lambert - A imagem, geralmente, chama a atenção primeiro que o texto. Pensando nisso, qual a importância que você credita ao trabalho do ilustrador, principalmente em se tratando de livros infantis?

Fernando Pires - Nós vivemos mesmo numa sociedade que valoriza em excesso as imagens, deixando muitas vezes o conteúdo de lado. Como eu sou escritor também, eu vivo nesses dois lados e tento não supervalorizar nem um nem outro lado. Tratando especificamente de livros infantojuvenis, acredito que o trabalho do ilustrador precisa ser muito responsável para dar o correto tratamento ao texto do autor. De preferência, que o livro tenha uma unidade coerente, e que a relação entre texto e imagens tenha harmonia e diálogos interessantes. Acredito que dessa forma quem sai ganhando é o leitor.